Por Raphael Leal
Num dos seus escritos, o poeta francês Charles Baudelaire teceu comentários sobre a análise do fazer artístico: “Para ser justa, ou melhor, para ter sua razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política; isto é: deve adotar um ponto de vista exclusivo, mas um ponto de vista exclusivo que abra ao máximo os horizontes.”
Ultimamente tenho ouvido falar coisas sobre a aceitação da crítica, o modo de se fazer e coisa e tal. A primeira reação é o esvaziamento da discussão, levando o debate para o campo do “gosto”. Outras reações se dirigem para o lado pessoal, ou profissional. Mas, desde já, informo que não abro mão da crítica. Ela tem a sua função social, mesmo que algumas sejam ríspidas, agressivas. Mas até as construtivas causam certo incômodo, pois todos sabemos que, quando somos alvo e temos o nosso trabalho com um dedo em riste, mesmo que com uma breve e despretensiosa análise, nos sentimos afrontados.
Assim sendo, se não fosse a crítica, principalmente no que se refere à arte, tudo seria arte. Para alguns, tudo é arte, mesmo não se exigindo conteúdo, conceito, nem fruição. O mundo seria demasiadamente desumano, pois muita gente iria “se achar”. Arte é um dom divino. Ela pode até ser utilizada como ferramenta pedagógica para que o ensino seja mais leve, mais agradável, atraente. Mas o talento é inato. Esses talentosos por natureza, quando se colocam como artistas, também estão sujeitos à análises, que muitas vezes chegam com um nível alto de argumentação e criticidade. Mas, diante das reações das últimas horas, tanto em situações nacionais como em acontecimentos regionais, fiquei a me perguntar: e se não tivesse a crítica, como seria?
Criticar (no sentido de opinar sobre o fazer artístico) se tornou um ato quase proibido, que só pode ser feito de forma velada para não gerar um mal-estar numa relação de amizade. E geralmente quando isso acontece ocorre o esvaziamento da discussão, colocando na roda da conversa pontos como “uns vem para criticar, outros pra fazer”, ou “gosto é isso ou aquilo...”, com conotação de desdém e, às vezes, escatológicas, ou ainda “isso é inveja”. Mas também há as reações de enfrentamento, quando a reação à crítica passa a ser ofensiva, questionando a qualidade da crítica, de quem fez. Eu, assim como sempre diz o poeta e professor Josemar Pinzoh, acho que “gosto” é uma coisa produzida. Ninguém nasce gostando de arrocha, mas as TVs da Bahia colocam todos os dias grupos dos mais pitorescos na telinha. A pressão é tão contundente que muitos indivíduos que assistem a isso passaram a gostar, pois se já se familiarizaram com aquele tipo de música. Com quem já tem um “gosto” diferente, a rotina diária passa a ser de combate com o que lhe é empurrado goela adentro, para que você não ache esse tipo de pressão musical um ato normal.
Diante da impossibilidade de realizar uma crítica, surge uma infinidade de “artistas”. Eles estão em todos os segmentos: no teatro, na teledramaturgia, nas artes plásticas, na música (lugar onde se há mais deles), na literatura, nas produções culturais, em tudo quanto é canto. Assim sendo, eu proponho o debate: de quem é aceitável a crítica? A apreciação do ato cultural/artístico pode ser feita por quem, somente por especialistas de determinada área? Certamente serei alvo de críticas sobre o que escrevo, mas de quem eu posso e devo aceitar a crítica aos meus rabiscos e minha análise? Como reagir?
Como sou demasiadamente humano, creio que a primeira reação seria saber quem falou. Mas como tenho procurado um novo tipo de comportamento a situações conflituosas, buscaria ouvir, ou ler o que foi falado ou escrito, para daí saber se valeria a pena fazer a crítica da crítica.
Provavelmente algo há de se aproveitar. Como disse o poeta Arnaldo Antunes, “com tantos sentimentos deve haver algum que sirva”.